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domingo, 10 de abril de 2016

Marco Aurélio Mello: invencível polêmico



Marco Aurélio Mello: invencível polêmico


Com nova decisão controversa, o ministro obriga Eduardo Cunha a seguir Com o impeachment de Michel Temer e finca o Supremo no meio da arena política

FLÁVIA TAVARES
08/04/2016 - 19h03 - Atualizado 10/04/2016 16h24


Perto das 8h30 da terça-feira, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, embarcou num voo de Congonhas, em São Paulo, para Brasília. Estava bem-disposto. Deparou com o ex-deputado federal tucano José Aníbal, sentado algumas fileiras à frente da sua. Tempos antes, em outro encontro casual, eles haviam trocado dicas de leitura. Marco Aurélio recomendara Tudo ou nada, biografia de Eike Batista escrita pela jornalista Malu Gaspar. Desta vez, Aníbal carregava a mais recente obra do moçambicano Mia Couto, Mulheres de cinzas. Marco Aurélio pediu que uma assessora anotasse o nome do livro. O ministro cruzou com mais um tucano, o deputado Ricardo Tripoli. Os dois, apaixonados por motos, papearam brevemente sobre uma relíquia que Tripoli está adicionando a sua coleção. Marco Aurélio seguiu para seu assento. Acomodou-se na poltrona. Precisava repor as energias depois do duro interrogatório a que fora submetido na véspera, no programa Roda viva, da TV Cultura. E para aguentar a pressão que viria naquela tarde, quando sua decisão sobre um pedido de impeachment do vice-presidente, Michel Temer, fosse publicada. Marco Aurélio cochilou.

Marco Aurélio é ministro desde 1990. Nos 26 anos de Corte, a notoriedade não veio pela sua dicção inusual, de quem está constantemente exalando. Tampouco por seu parentesco com o ex-presidente Fernando Collor de Mello, seu primo e responsável por sua indicação ao Supremo. Veio, em grande parte, por sua disposição para a inconsonância. Marco Aurélio adota com frequência posições absolutamente discordantes dos seus pares. Por isso, o apelido de“senhor voto vencido”. Na noite da segunda-feira, o ministro foi questionado sobre por que decidiria que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tem obrigação de levar adiante um pedido de impeachment do vice-presidente da República, Michel Temer. Os entrevistadores sabiam qual seria a decisão de Marco Aurélio porque seu despacho vazara na sexta-feira anterior. O ministro admitiu um “pequeno pecado do gabinete” no vazamento. Ironizou o conteúdo da decisão, indicando que ele não era definitivo: “Sou um juiz muito sugestionável. Posso evoluir ou involuir”. Marco Aurélio não evoluiu. Manteve a posição de obrigar Cunha a analisar o pedido de impeachment de Temer. No despacho, argumentou que cabe a Cunha somente avaliar se o pedido atende aos pré-requisitos formais, não seu mérito. Ao arquivar o pedido, diz Marco Aurélio, Cunha “queimou etapas”, apreciando a procedência do pedido. Assim, Cunha deveria seguir com a instalação de uma comissão especial para, essa sim, analisar o mérito das acusações contra Temer. Marco Aurélio foi severamente acusado de interferir no Poder Legislativo.
Marco Aurélio Mello ministro do STF (Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF )
Com sua decisão, o ministro Marco Aurélio fincou o Supremo no meio da arena política. Envolveu a Corte na celeuma da qual boa parte dos ministros esquivava-se: o processo do impeachment da presidente Dilma Rousseff. O Congresso não gosta de ser desafiado. Os deputados reagiram, a começar pelo próprio Cunha. O presidente da Câmara chamou a decisão do ministro de “absurda” e “teratológica”. Cunha chegou a sugerir que desrespeitaria a ordem do Supremo. Foi repreendido. “Quando se inobserva (uma decisão judicial) é porque as coisas não vão bem, e eu não posso fechar o Brasil para balanço”, disse o ministro. Marco Aurélio ainda reconheceu condescendentemente o “direito de espernear” de Cunha. E garantiu que, assim que o recurso da Câmara chegar a seu gabinete, ele o encaminhará ao pleno do Supremo, que, então, julgará se sua decisão fora equivocada. Um indício de que Marco Aurélio pode ser “voto vencido” mais uma vez é a reação de seus colegas ministros. Primeiro, Gilmar Mendes, o mais afeito a se embrenhar na política, satirizou Marco Aurélio, dizendo que ele “está sempre nos ensinando” algo.
"Marco Aurélio reconheceu, condescendente, o “direito de espernear” de Eduardo Cunha"
No dia seguinte, mais ático e formal, o decano Celso de Mello publicou um despacho sobre outro pedido de impeachment de Temer. Em 14 páginas, o decano desmonta a argumentação de Marco Aurélio, sem jamais citá-lo. De saída, afirma que o Supremo tem a competência de analisar se Cunha agiu corretamente ao descartar o pedido. Em seguida, o ministro decide que, na mesma medida, é competência regimental de Cunha não dar seguimento ao pedido se ele o considerar inepto. “É inviável a possibilidade jurídica de qualquer atuação corretiva do Judiciário, constitucionalmente proibido de interferir na intimidade dos demais Poderes da República”, disse Celso de Mello. Em tradução livre, o oposto do que disse Marco Aurélio. Os votos singulares de Marco Aurélio não parecem afetar o respeito de seus colegas por seu conhecimento técnico. O próprio decano Celso de Mello falou disso na homenagem que o Supremo prestou a Marco Aurélio no ano passado, quando de seus 25 anos de Corte. “Muitos de seus luminosos votos vencidos culminaram por converter-se em diretrizes jurisprudenciais prevalecentes na prática jurisdicional desta Corte Suprema”, disse o decano. “Aquele que vota vencido, por isso mesmo, deve merecer o respeito de seus contemporâneos, pois a história tem registrado, sem qualquer exagero, que, nos votos vencidos, reside, muitas vezes, a semente das grandes transformações, tal a irresistível força fecundante que pode assumir, em determinado contexto histórico, um simples voto minoritário.”
Celso de Mello ministro do STF (Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF)
Em 2006, o advogado Sergio Bermudes compilou alguns dos votos mais polêmicos de Marco Aurélio até então. “O ministro entende profundamente a fenomenologia jurídica. Tem posições muito próprias, originais”, diz Bermudes. “Não tem medo de se contradizer nem de ficar sozinho.” Nem de se expor, acrescente-se. Por vaidade ou convicção, ou ambos, Marco Aurélio é um dos mais falantes ministros da Corte. Ao longo do julgamento do mensalão, sempre circulava entre os jornalistas antes das sessões – para papear sobre seu Flamengo ou sobre alguma rusga com o ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa. Marco Aurélio ficou sozinho também quando se manifestou sobre a ideia de que impeachment é golpe. No Roda viva, foi firme ao dizer que fora mal interpretado em sua afirmação. “Não conheço o teor desse processo, não parei para examiná-lo. Não me atreveria a antecipar essa visão de que estamos diante de um golpe. O que eu asseverei, e assevero, neste momento, é que se não houver fato jurídico, já que o processo tem uma mesclagem do político com o jurídico, aí sim se terá um golpe político.” Seu tom é distinto de outros ministros, que nem sequer aventam essa hipótese. A soma desse posicionamento com a decisão sobre Temer levou o Movimento Brasil Livre a pedir o impeachment de Marco Aurélio. O presidente do Senado, Renan Calheiros, derrubou rapidamente o pedido, alegando que Marco Aurélio não cometeu crime de responsabilidade. Até o momento, nenhum magistrado determinou que Calheiros siga com o processo.

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