Santos

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sábado, 2 de dezembro de 2017

Saneamento Básico em Santos - História

Saneamento Básico em Santos - História





SANEAMENTO BÁSICO EM SANTOS




Pesquisa e Texto: Sergio Willians
Por uma questão de lógica, a trajetória do saneamento básico deveria caminhar ao lado da história da distribuição de água, uma vez que ambas fazem parte de um mesmo ciclo, o ciclo da água, onde o precioso líquido é captado, tratado, distribuído, consumido e descartado, transformando-se em esgoto, que por sua vez é coletado, tratado e devolvido à natureza.
Simples, não? No entanto, as duas conquistas ocorreram em momentos distintos para a maioria dos povos. Assim foi em Santos, onde o processo de saneamento básico praticamente refundou a cidade, num momento crítico, em que parecia estar condenada à morte!
Período Colonial
As vilas coloniais portuguesas na América foram construídas sem o menor cuidado com o destino do esgotamento sanitário, assim como do lixo produzido pelos seus moradores. A sujeira imperava nos rios e córregos da Vila de Santos, contaminando inclusive a água da praia (que ficava no atual Centro Histórico, antes da construção do porto organizado).
Com o crescimento acelerado da cidade, a partir da segunda metade do século XIX, e o consequente aumento populacional, foram construídos rudimentares sistemas de canalização de esgoto, que se misturavam com a água das chuvas, em galerias e tubulações feitas de barro. Isso não impediu que a situação sanitária entrasse em estado de alerta. Se chegasse à cidade algum tipo de doença viral, as condições santistas eram propícias para o alastramento. E não deu outra. No final de 1849, a febre amarela desembarcou na capital imperial e alarmou as autoridades paulistas, que sabiam das semelhanças das condições e clima entre Santos e Rio de Janeiro. E dito e feito. Em abril de 1850 foi registrado oficialmente a primeira morte por febre amarela na cidade portuária: um caixeiro português, que ainda tentou se tratar na Santa Casa. Daí em diante a coisa se alastrou e virou epidemia, vitimando dezenas de santistas.
O número de mortes era tanto que o Império se viu obrigado a proibir o sepultamento dos mortos dentro das igrejas, como mandava a tradição desde os tempos coloniais.  Eram tantos enterros, que o cheiro de morte se tornou insustentável nos templos religiosos.
Para piorar, a população não ajudava em nada na situação. Escravos despejavam as imundícias leves e grossas de todas as residências diretamente nas águas do Estuário e nos ribeirinhos locais.
Imagem arranhada

O quadro caótico que se instalou na cidade de Santos, a partir daquela segunda metade do século XIX, deixou preocupava as autoridades da Província. Afinal, o porto mais importante do país não podia ficar com a imagem arranhada perante a comunidade mercantil internacional.  Várias armadoras de navios estrangeiras começaram a ameaçar não mandar mais suas embarcações para Santos. Era necessário estabelecer um amplo plano de saneamento na cidade. Mas isso correspondia em investimentos de grande monta.
Ao longo dos anos, percebeu-se que a maior parte das doenças tinha origem ou estava bastante relacionada à questão da água. Era preciso buscar alternativas para a captação de fontes limpas e também arrumar a casa, ou seja, tornar a cidade habitável do ponto de vista do saneamento básico.
A questão do abastecimento começou a ser resolvida pra valer em 1870, quando um grupo de empresários ingleses assumiu a responsabilidade, por meio de concessão, de trazer água da Serra do Mar. Por outro lado, em relação ao esgoto, a discussão era bem mais ampla, como também era latente a necessidade de canalizar os rios e córregos que cortavam as áreas densamente povoadas. O principal motivo para esta decisão era impedir o contato da população com os mosquitos infectados com o flavivírus da febre amarela, responsável direto por milhares de óbitos ao longo de décadas em Santos.
No entanto, a doença que mais vitimou santistas na segunda metade do século XIX foi a tuberculose, a temida “peste cinzenta” causada pela bactéria Mycobacterium tuberculosis (mais tarde conhecida como Bacilo de Koch, em homenagem ao seu descobridor, Robert Koch, em 1882). Em Santos, a doença encontrou o campo ideal para se espalhar entre as pessoas (calor, umidade e péssimas condições sanitárias). Para completar o rol de doenças endêmicas, os santistas ainda sofreram com a cólera, leptospirose, varíola, tétano, coqueluche, peste bubônica, entre outros males.
Para se ter uma ideia do estrago causado em Santos no duro período das epidemias, basta dizer que, entre 1890 e 1904, morreram em Santos 22.588 pessoas, número superior à metade da população da época.
Solução porto-riquenha
As epidemias que atingiam a cidade de Santos acabaram penetrando na capital e no interior do Estado de São Paulo, ameaçando os trabalhadores das lavouras de café, a maior riqueza paulista, o que obrigou o governo a adotar medidas gerais de controle da situação. Como consequência, foi criado em 1891 o Serviço Sanitário do Estado, vinculado à Secretaria dos Negócios do Interior. Uma das primeiras medidas deste departamento foi criar duas comissões para agir em Santos. Uma para controlar as epidemias e outra para discutir as medidas de saneamento na cidade santista. Chegou-se a conclusão de que Santos precisava de um plano sanitário ousado, inovador e, para isso, contrataram, em 1892, os serviços do famoso engenheiro porto-riquenho, Estevan Antonio Fuertes, na época professor da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Fuertes havia elaborado um bem-sucedido plano sanitário para a cidade norte-americana de Nova Orleans, cujas características eram bem parecidas com Santos. A contratação do porto-riquenho teve o apoio do secretário do Interior, o santista Vicente de Carvalho.
A Comissão de Saneamento de Santos, criada pelo governo do Estado, começou a executar alguns trabalhos em paralelo à construção do porto, que havia sido iniciada em 1888, e transformava as ruas do Valongo.
Em julho de 1893, Fuertes, em visita de inspeção a Santos, comentou com o chefe da Comissão de Saneamento, João Pereira Ferraz, “o teatro de horrores que assistia ao ver a população viver numa cidade putrefata”. O engenheiro sabia que sua missão era dura, pois olhava para as poças de esgotos misturadas ao lixo abundante que, tão logo era retirado pelos carroceiros municipais, e já se acumulavam novamente, como se brotassem do solo. Fuertes propôs medidas para conter o avanço das epidemias, com a construção de uma estação de quarentena para isolar a população infectada, além de um desinfectório, na distante Ilhabela. Também sugeriu a construção de outra estação de quarentena na barra do canal dom porto, para não deixar entrar na cidade os marinheiros que já chegavam infectados de outros portos.
Furtes elaborou um plano gigantesco, de medidas sanitárias e, principalmente, de infraestrutura, desenhando o complexo sistema de redes coletoras de esgoto, estações elevatórias e, principalmente, o sistema de drenagem e águas pluviais (chuva).
Conflitos de ideias
Apesar de ter árduos defensores, o Plano de Fuertes foi contestado por muita gente ligada ao governo de Estado, que achava exagerada a quantidade de medidas adotadas pelo engenheiro porto-riquenho. O exagerado, no caso, era a relação dos custos que todas as medidas iriam pesar nos cofres paulistas.
Em junho de 1895, a Comissão de Saneamento, então chefiada pelo engenheiro José Rebouças, passou ao comando do engenheiro Ignácio Wallace da Gama Cochrane, filho do fundador da Companhia City of Santos Improvements. Formado no Rio de Janeiro, era monarquista, tendo sido vereador em Santos.  Cochrane estava ansioso por botar em prática os planos de Fuertes, mas encontrava resistência em meio aos superiores no Estado. No ano seguinte apresentou um relatório sobre os serviços de esgotos em Santos, demonstrando preocupação com a questão. Chegou a enfrentar a Câmara Municipal e a Companhia de Melhoramentos de Santos, que era responsável por vários serviços públicos, entre eles o da limpeza das velhas galerias de esgoto, que se encontravam em péssimo estado e entupidas. Cochrane fez o município romper o contrato com a empresa, alegando negligência, e acabou encampando os serviços, em favor do governo do Estado.
Em 1896, Cochrane solicitou a ajuda de Rebouças, para providenciar um inventário sobre todo o sistema montado pela Companhia Melhoramentos. A ideia era substituir todo o sistema aos poucos, enquanto não se decidia pela aplicação do plano de Fuertes ou de outro que desse um jeito definitivo na cidade.
Em setembro daquele ano, Cochrane passa a ocupar o cargo de diretor da Superintendência de Obras Públicas do Estado, deixando em seu lugar o engenheiro Alfredo Lisboa que, por sua vez, enfrentou problemas de ordem financeira na Comissão de Saneamento, obrigando-se até a demitir funcionário e paralisar obras. Sem ter muitos recursos financeiros para atacar em várias frentes, Lisboa optou por concentrar os esforços na elaboração do projeto do coletor de esgoto principal da cidade, que mais tarde foi implantado por Rebouças, que assumira o posto de chefe da Comissão Sanitária.
Em relação ao plano de Fuertes, este praticamente foi derrotado no combate de ideias que se travou nas altas esferas.
A cobrança pelo esgoto
Em 1898, a Comissão de Saneamento foi extinta, transformando-se na Repartição de Águas e Esgotos, sob a liderança de Theodoro Sampaio. Um dos principais problemas enfrentados pelo engenheiro foi amenizar o conflito existente entre o Governo do Estado e a Câmara Municipal de Santos, intensificado depois que o município passou a cobrar dos moradores uma taxa de esgoto. As autoridades estaduais defendiam que, uma vez encampados os serviços sanitários, como de fato foi feito em 1896, as taxas deveriam ser arrecadadas pela Repartição. No entanto, a Câmara ignorou a defesa e continuou a cobrar as taxas, para o município. 
Divisão em distritos
Em 1899, a Câmara de Santos promulgou Lei que autorizava o Governo do Estado celebrar contratos, por edital, para a construção e exploração de rede de esgotos de matérias fecais e águas servidas. O aspecto mais importante para que houvesse êxito na implantação da rede, seria a divisão de Santos por distritos, tal qual Fuertes havia proposto em seu plano. O engenheiro porto-riquenho, no entanto, dividiu a cidade em três distritos: a área central (que era a maior), a Vila Mathias (segundo núcleo mais populoso da cidade) e o distrito da Barra, que englobaria toda a atual orla santista.
Com a perspectiva de avanço da área urbana para o lado leste da ilha de São Vicente, o edital previa a criação de mais distritos do que os três previstos por Fuertes. Contudo, o texto do edital causaria grande polêmica dentro do Governo, envolvendo Theodoro Sampaio. Ele dava amplos poderes ao concessionário vencedor, inclusive de desapropriar os imóveis que julgasse necessários para as obras de intervenção, além do que não estipulava uma data de término da concessão. Isto significaria que a empresa vencedora se tornaria dona absoluta do serviço público, cobrando as taxas sobre esses serviços até quando quisesse, de forma monopolista.
Tal falha condenou as negociações com o grupo vencedor, composto pelos engenheiros João Pereira Ferraz, Augusto Carlos da Silva Telles e José Brant de Carvalho. Mais tarde, os três entrariam na Justiça com uma ação indenizatória por terem vencido a concorrência e não assinarem o contrato de serviço.
Theodoro Sampaio se desgastou com o episódio e tentava, a todo o custo, ao menos manter as obras essenciais de canalização do esgoto em parceria com as obras do porto de Santos. Quando o engenheiro José Pereira Rebouças retornou ao posto de chefe da Comissão de Saneamento em 1902, a situação de Sampaio piorou, por não ter mais sustentação política. Obrigado a demitir dezenas de funcionário da Repartição, acabou exonerado em fins de 1903. Outro fator que minou a posição de Sampaio foi sua posição contrária ao uso do cimento armado nas obras de canalização de esgoto, difundida largamente por Rebouças, que tinha o total apoio do governador paulista Bernardino de Campos.
O plano de Rebouças
Quando assumiu a Comissão de Saneamento, em 1903, José Pereira Rebouças queria aproveitar a sua larga experiência no uso de manilhas de cimento armado e ferro para uso em obras de saneamento. Depois da saída de Sampaio da Repartição de Águas e Esgoto, Rebouças resolveu apresentar um plano de ações para resolver as questões sanitárias no que se refere à coleta e destinação do esgoto santista. No entanto, seu projeto nada mais era do que a instalação de coletores gerais para onde seriam feitas as descargas de esgotos a serem levadas para o mar. Algum tempo mais tarde, este projeto seria duramente criticado, por ser vago e incompleto, bem menos qualificado do que o plano de Fuertes.
A chegada de Saturnino
Considerado um dos expoentes do saneamento básico no país, o engenheiro Francisco Rodrigues Saturnino de Brito não criticava abertamente a postura de Rebouças em seu plano vago, embora fosse nítida sua posição contrária à ele. Ainda assim, mesmo assumindo o cargo da chefia da Comissão de Saneamento em 1905, por indicação do novo presidente do Estado, Jorge Tibiriçá, Saturnino foi obrigado a engolir os mais de 2 km de coletores construídos pelo seu antecessor, tudo em cimento armado, que custaram uma fábula para o Estado.
O engenheiro, que já havia iniciado estudos para a elaboração de um projeto de saneamento e urbanização para Santos, desde antes da criação da Repartição de Águas e Esgotos, agora precisava adaptar alguns pontos, principalmente em relação ao material que utilizaria para a construção dos emissários e galerias, já que os testes com cimento armado pareciam realmente terem dado certo.
Saturnino não esperou nada para pôr em prática seu plano de saneamento. Afinal, ela já conhecia a realidade santista e esboçara o projeto ideal desde 1898, com interferências em 1902 e 1903, aplicando o que vinha fazendo em outras cidades onde trabalhou (Campos-RJ e Vitória-ES). O projeto base do engenheiro era sustentado por um conjunto de ações vitais para o futuro da qualidade de vida na cidade,

  • como a implantação de uma rede bem estruturada de esgoto sanitário, 
  • da rede de esgotos pluviais, 
  • pela reforma completa das instalações domiciliares e 
  • pela construção de canais de drenagem, 

que seriam responsáveis por dar condição de habitabilidade à maior parte do território santista, composto basicamente por terrenos pantanosos.
Controlando a cidade

Saturnino tomou conta dos rumos da cidade. Além de promover um controle sanitário rigoroso, mandou fazer um cadastro de todas as instalações domiciliares santistas e obteve da Câmara Municipal o compromisso de não conceder nenhuma licença para a construção de edifícios sem que as plantas estivessem aprovadas pela Comissão de Saneamento. O influente engenheiro ainda foi responsável pela introdução de uma série de Leis que permitiram a execução completa de seu plano de saneamento, entre elas diversas desapropriações e a criação de taxas de contribuição para melhorias, além de outras que tratavam dos quarteirões insalubres e vielas particulares.
Saturnino desenhou uma nova cidade a partir da Vila Mathias, oferecendo uma proposta urbanística que, se não foi cumprida à risca, ficou bem próxima do que almejou. A composição da cidade, a partir de seus canais de drenagem, foi fundamental para o sucesso urbanístico que Santos conquistou ao longo dos anos.
A inauguração dos canais
Os canais não surgiram, todos, ao mesmo tempo. Foram nove os projetados por Saturnino, sendo que o primeiro foi inaugurado em 1907. Esta estrutura, o Canal 1, além de ter sido construída para cumprir o papel de drenagem, como todos os outros canais, tinha a importante missão de canalizar o rio dos Soldados (antigo rio Guaranchim, nascia no morro da Nova Cintra/Jabaquara e desaguava na Bacia do Mercado), que já se constituía num grande problema para o bairro da Vila Mathias e para os planos de expansão do Porto de Santos. 
Os outros canais foram entregues ao longo de vinte anos:

Canal 1 - Avenida Senador Pinheiro Machado (inaugurada em 1907)
Canal 2 - Avenida Bernardino de Campos (1910),
Canal 4 - Avenida Siqueira Campos (1911),
Canal 7 - Avenida Francisco Manoel/ao lado da Santa Casa (1911),
Canal 9  - Avenida Barão de Penedo/José Menino (1911),
Canal 8 - Avenida Moura Ribeiro/Marapé (1912),
Canal 6 - Avenida Joaquim Montenegro (1917),
Canal 3 - Avenida Washington Luís (1923) e
Canal 5 - Avenida Almirante Cochrane (1927).
Trabalho quase concluído
Em 25 de abril de 1912, o plano de saneamento da cidade de Santos foi praticamente concluído, com grande festa na cidade. Todo o trabalho base (66 km de coletores, 15 km de emissários, 602 poços de visita, 10 estações elevatórias, uma usina terminal) estava pronto. Só faltava concluir a Ponte Pênsil, um mero detalhe na gigantesca obra que proporcionou à terra santista uma chance de prosperidade.
Saturnino conseguiu, com suas ideias e esforços, fazer com que a cidade crescesse como planejara, mesmo diante das resistências políticas que encontrou na Câmara Municipal, assim como de muitos proprietários de chácaras e terras na zona leste de Santos, que insistiam em não deixar passar em seus lotes as melhorias para a cidade. Mas era inegável a sensação geral de que a cidade havia sido refundada, transformada em um lugar habitável e potencialmente próspero.
No mesmo dia da entrega das obras de saneamento, era inaugurado o Sistema de Esgotos e de Águas Pluviais de Santos, que daria as condições necessárias para a implantação definitiva do porto e o fortalecimento econômico do município. Ao seu projeto foi incorporada a parte central de São Vicente com a Estação Elevatória Tomé de Souza.
A Ponte Pênsil e o esgoto longe de casa
Ao contrário do plano de Fuertes, que previa o despejo do esgoto santista em Outeirinhos (nas proximidades do atual Terminal Concais), Saturnino propôs duas alternativas para este descarte. A primeira seria depurá-lo na futura estação de tratamento do José Menino e lança-lo diretamente na Baía de Santos, pela Praia do Itararé. Brito vinculava a esta ideia o aproveitamento agrícola do efluente depurado, inclusive utilizando-o no futuro Horto Botânico, devidamente previsto em seu plano de urbanização (o local vislumbrado por Saturnino, décadas mais tarde acabou sendo aproveitado para a construção do Orquidário Municipal). A segunda opção era mandá-lo pra mais longe ainda, para além da Baía, na Ponta do Itaipú (na Praia Grande). E foi esta a opção escolhida pelo Governo do Estado.
Assim, os engenheiros encarregados de executar o trabalho estudaram qual a melhor forma para fazer atravessar para a Praia Grande a tubulação (emissário) que conduziria os esgotos ao longo do morro do Itaipu. Depois de acertar o traçado dos dutos, restava apenas solucionar o problema da travessia deles, da ilha de São Vicente, para o outro lado, no continente. Os primeiros planos davam como solução a transposição direta do emissário apoiado sobre estacas. Mas Saturnino achou muito precário e aventou a possibilidade de construir uma ponte-suporte no menor trecho do Mar Pequeno, entre o Morro dos Barbosa (Tumiarú) e a região onde ficava o antigo porto das Naus (Japuí). O local era perfeito para a travessia, pois reunia condições de fundação mais favoráveis, com a possibilidade da construção de apoios diretos sobre a rocha. A dificuldade estava na garganta marítima daquele ponto, que chegava a mais de 15 metros de profundidade. Por isso, acompanhando a tendência da época, recomendava-se a construção de uma ponte de grande vão, sem suportes intermediários. Era uma solução avançada para a época, quando não se falava ainda de concreto armado para a construção de pontes.
Para projetar a obra foi contratada a firma Trajano e Medeiros & Cia. que, em consórcio com uma empresa alemã, elaborou a tal ponte entre o Tumiarú e Japuí. Coube ao engenheiro alemão Augusto Kloene, a tarefa de projetar um vão de 180 metros entre torres, com 6,4 m de largura e 5 de altura acima da maré máxima. Era uma obra ousada e praticamente inédita no Brasil. A Ponte Pênsil de São Vicente foi a segunda do gênero do Brasil (a primeira foi a Ponte de Caxangá - 1842 - sobre o Rio Capibaribe, no Recife).
Depois de decidido o formato e aprovado o projeto, a construção dos pontilhões começou em 1911, em ambos os lados. As peças da ponte foram produzidas na Alemanha e transportadas entre 1912 e 1913 por dez navios.
Para a construção da bela “obra de arte”, o governo gastou mais de 150 contos de Réis, uma pequena fortuna na época. Ao final, a ponte se apresentou com 275 metros de comprimento e peso de 550 toneladas. A largura d a pista era de 6,40 m. Às duas torres, de 23 metros de altura, estavam ligados os 16 cabos de aço de 286 metros cada um, que sustentam o tabuleiro, de 180 metros.
A inauguração da Ponte Pênsil, que virou atração turística, além de importante meio de acesso ao continente, se deu em 21 de maio de 1914, contando com a presença do vice-presidente do Estado de São Paulo, Carlos Guimarães, representando o presidente paulista Rodrigues Alves e vários secretários de Estado. Também estava ali o orgulhoso Saturnino de Brito, o homem que ajudou a idealizar aquela obra.
Novas demandas
O projeto de Saturnino suportou bem o progresso santista até meados dos anos 50, quando a cidade começou a crescer de forma acelerada, principalmente na região da orla, onde os primeiros arranha-céus surgiam para mudar a paisagem da ilha. A conta era simples. Mais prédios, mais famílias, mais esgoto produzido. 
O antigo sistema não conseguia mais atender às necessidades da população, mostrando-se ainda mais deficitário nas temporadas e nos fins-de-semana. Na década de 60, aproximadamente 1 milhão de pessoas procuravam as praias locais. Todo esgotamento sanitário da cidade era feito pelo exausto emissário Rebouças, que conduzia o material líquido para a Estação Elevatória do José Menino. De lá, era bombeado para a Ponta de Itaipu onde era, finalmente, lançado ao mar.
Entretanto, a capacidade do emissário Itaipu (0,8 m³/s) não atendia à vazão de 1,3 m³/s daqueles anos. A consequência era sentida por meio de extravasamentos de esgoto em vias públicas e principalmente nos canais. A única solução para o caso era ampliar o sistema.
Em 4 de janeiro de 1950 foi criado o Departamento de Obras Sanitárias (Lei Estadual 627), que substitui a Repartição de Saneamento de Santos. Em 1969, este órgão se juntou a outros da região para formar a Companhia de Saneamento Básico da Baixada Santista (SBS), que assumiu a responsabilidade de gerenciar os serviços de água e esgoto dos municípios de Santos, São Vicente, Cubatão, Praia Grande, Mongaguá, Ilhabela, Ubatuba, São Sebastião e Caraguatatuba.
O Interceptador Oceânico e o emissário submarino
Ainda em 1969, a SBS iniciou a implantação de um novo sistema para a captação de esgotos, atendendo as cidades de Santos e São Vicente. Uma nova fase do saneamento deu as caras para os santistas. Três grandes intervenções seriam realizadas: a construção do Interceptador Oceânico, um novo ramal coletor (emissário) que percorreria os cinco quilômetros de orla; uma estação de pré-condicionamento no José Menino (EPC), responsável por tratar o esgoto, retirando o material sólido e promovendo a aplicação de cloro; e o emissário submarino, que saia da EPC em direção à praia, na altura da Ilha Urubuqueçaba, penetrando cerca de 3.900 metros mar adentro na direção norte-sul, exatamente no ponto de convergência das correntes marítimas, favorecendo assim a dispersão dos esgotos em alto mar.
O conjunto de obras se iniciou em 1969, terminando dez anos depois, quando foram concluídas as últimas estações elevatórias. Embora todas tivessem sua relevante importância, a mais vistosa foi a do emissário submarino, porque produziu na orla uma paisagem diferente, com o surgimento de um enorme aterro com 8 mil m². Iniciada em 1974, as obras do “pier” do José Menino, como muitos santistas passaram a chamá-lo, terminaram em 1978, inauguradas pelo presidente da República na época, o general Ernesto Geisel.
A criação da Sabesp
No meio do caminho das obras que garantiriam mais 20 anos de coleta de esgoto em Santos, era criada a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), pela Lei Estadual 119, de 29 de junho de 1973. Ela assumiria, aos poucos, os serviços públicos de saneamento básico em todo o território do Estado de São Paulo. Em 16 de outubro de 1975, por meio do Decreto Estadual 6.892, a Sabesp incorporava a Companhia de Saneamento Básico da Baixada Santista (SBS).
Esgotos clandestinos e balneabilidade
Mesmo com a potencialização dos novos emissários, a cidade vivia com um problema de difícil solução: garantir a balneabilidade de suas praias. Consolidada como destino turístico paulista, Santos tentava de tudo para evitar as críticas sobre a qualidade da sua água do mar. Nos anos 80, Santos tentou coibir as danosas ligações clandestinas, que despejavam o esgoto de casas no sistema pluvial, que chegava aos canais e, consequentemente, ao mar. A quantidade de coliformes fecais era tanta nas águas do sistema de drenagem, que bastava uma chuva forte na cidade para que, no dia seguinte, as praias fossem condenadas para o banho de mar.
Para piorar, as velhas comportas, nos anos 80, ainda eram as mesmas do sistema de Saturnino de Brito e careciam de substituição, o que só veio a ocorrer em meados da década de 90. Durante alguns anos, a Prefeitura realizou testes para detecção de ligações clandestinas, obtendo bons resultados, ajudando a conter o avanço da poluição nos canais e, consequentemente, nas praias.
Onda Limpa
No Século XXI, Santos voltou a encarar uma nova perspectiva de crescimento e testemunhou uma grande fase de construções, com o surgimento de edifícios com até 40 pavimentos, o que gerou grande impacto no sistema de saneamento.

Para não remediar a situação, o Governo do Estado, por meio da Sabesp, voltou a investir no sistema coletor e na ampliação da Estação de Pré-Condicionamento de Esgotos do José Menino, que passou a tratar 5,3 litros por segundo, aumentando o índice de coleta de esgotos de Santos e São Vicente.

Além disso, implantou um novo Interceptor (batizado de Rebouças) com 2.200 metros de extensão, desta vez na Avenida Francisco Glicério, entre a Avenida Conselheiro Nébias e a EPC; promoveu a reforma e ampliações de Estações Elevatórias de Esgotos e a adequação do sistema de admissão de água dos canais 1 a 6 para o antigo Interceptor Oceânico.

No emissário submarino, promoveu a extensão mar adentro em mais 400 metros, incluindo a instalação de novos difusores.
O Emissário Submarino vira Parque
O aterro que envolveu o emissário submarino, na praia do José Menino, se tornou, ao longo dos anos seguintes à sua liberação, no final dos anos 70, num enorme “elefante branco” para a cidade. Num primeiro momento houve a promessa, por parte da Sabesp, de retirá-lo, o que, tecnicamente, seria bastante complicado, em razão das tubulações do emissário oceânico.
Assim, durante toda a década de 1980 e parte da década seguinte, o “pier” virou campo de ninguém, sendo ocupado por pessoas de todos os tipos, principalmente marginais.
Foi a partir da segunda metade da década de 1990 é que se começou a pensar num propósito turístico para o espaço. Inúmeras foram as propostas arquitetônicas apresentadas, para parques aquáticos, um novo aquário, o Museu Pelé e complexos de lazer, mas todas esbarravam na legislação federal e nas exigências da Secretaria do Patrimônio da União (SPU).
Ao final, em 2006, depois de muita briga na Justiça, Santos garantiu o direito de instalar no Emissário do José Menino um complexo de lazer, que levou o nome Roberto Mário Santini, que fora diretor-presidente de A Tribuna, de 1990 a 2007.
O local, totalmente revitalizado, recebeu áreas de lazer para patinação e skate, uma arquibancada e uma torre para uso em competições de surf, além de um museu dedicado ao esporte das ondas e muitas áreas verdes. Um dos maiores atrativos é a escultura em aço idealizada pela renomada artista plástica Tomie Ohtake, cuja imagem foi criada como referência ao centenário da imigração japonesa ao Brasil.  


         
Fonte: Almanaque Santista, um boletim de curiosidades do Instituto Histórico e Geográfico de Santos
Fonte: Portal Memória de Santos
Apoio: Prefeitura de Santos, Fundação Arquivo e Memória de Santos e Sistema A Tribuna de Comunicação.

  
                              Inauguração do primeiro canal de Santos, o canal 1 - 1907

Desassoreamento do canal da Bacia do Macuco - canal 4 - década de 1940

Obras no canal 2 - década de 1940


                                                       Canal 3 - Av. Washington Luís - década de 1940

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